"As entrevistas de Nuremberg", por Leon Goldensohn

terça-feira, janeiro 29, 2013 Sidney Puterman


Lombroso não foi o primeiro a tentar decifrar a mente criminosa; tampouco o último. O metódico e sereno dr. Leon Nathaniel Goldensohn ingressou na 63ª Divisão de Infantaria Norte-Americana em 1943, sendo em 1945 designado psiquiatra da prisão do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Lá teve a oportunidade - mediante o estrito consentimento de cada réu - de entrevistar boa parte dos principais acusados pelos crimes de guerra da Alemanha nazista (que, frente ao dr. Leon, oscilaram, em seus depoimentos, da laconicidade às tentativas de persuasão). A retórica dominante se constituiu de reiteradas negações e da recusa em assumir responsabilidades - ainda que, nas entrelinhas,  seu discurso denunciasse deformado senso moral (coadunando, sintomaticamente, com as atrocidades que negavam ter cometido). Ainda que recalcitrantes a princípio, Goldensohn extrai, de muitos deles, o último depoimento antes da morte por enforcamento, e seus relatos revelaram benevolência quanto à auto-imagem (julgavam a si mesmos bons cidadãos e familiares, que meramente cumpriam ordens para o bem da pátria). Confrontados com o genocídio praticado pela máquina de guerra alemã, atribuíram aos mortos – ou, maliciosamente, aos vizinhos de cela – a culpa pelos crimes em massa. Quanto aos campos de concentração, se muito "talvez tivessem ouvido falar, vagamente", mas não tinham absolutamente nada a ver com isso - inclusive, eram totalmente contra. Em sua grande maioria, acusavam Hitler e Himmler e buscavam salvar a própria pele, com baixíssimo índice de sucesso (o Tribunal foi contundente na maioria das sentenças). Alguns dos nomes de maior importância e visibilidade do regime deram seus depoimentos: Göering, Ribbentrop, Frank, Papen, Jodl, Rosemberg, Streicher, Schacht, Hess, Speer. Goldensohn colheu seu derradeiro manifesto pessoal. Ouvir da própria boca dos principais personagens a sua versão dos acontecimentos pode não nos trazer a verdade, mas provoca reflexões, que geram convicções. É aprendizado imprescindível para quem busca entender melhor essa absurda passagem recente da história da civilização ocidental. E, ao contrário do que tentou definir Lombroso, o criminoso raramente exibe suas más tendências na própria fisionomia: a maldade pode muitas vezes estar camuflada sob a aparência mais angelical. É aí que mora o perigo, Lombrosão.

Companhia das Letras , 551 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

0 comentários: