"Memória cósmica", por Hermínio C. Miranda

quinta-feira, junho 04, 2015 Sidney Puterman

É um livro sobre psicometria. Que trata da absurda perspectiva - seja realidade ou maluquice - de um objeto registrar em suas células tudo o que se passa no ambiente à sua volta, por milênios a fio. E mais: que a chave para se obter essas informações de dentro dos objetos seria por intermédio de pessoas com uma capacidade sensorial específica (em miúdos, como se qualquer pedaço de qualquer coisa fosse um multi-iPhone pré-histórico, que gravasse tudo ao redor, em 360 graus e em alta resolução, e o sensitivo fosse um cabo USB). Muito doido. Hoje em dia a galera inventa de um tudo. O único pormenor é que isso não foi escrito "hoje em dia". Tem tempo. Para ser exato, 152 anos. Quem avaliza a obra e a reporta é Hermínio Miranda, um estudioso das imensuráveis possibilidades do cérebro humano sob a ótica da espiritualidade. Autor de dezenas de livros com ampla fundamentação em pesquisas de campo e em experiências mediúnicas - e sempre calçado em uma bibliografia extensa e atemporal -, Hermínio ainda não recebe um reconhecimento à altura da sua doação à causa do entendimento da personalidade humana. O futuro determinará seu tamanho - se um dedicado, mas equivocado, pesquisador, enganado pela sua absoluta convicção na tese reencarnatória, ou se um visionário que enxergou sólidos alicerces onde seus contemporâneos só viam miragens estapafúrdias. Em sua longeva trajetória, o autor avançou por um caminho trilhado por poucos nomes: o da análise científica daquilo que a ciência e o senso-comum denominaram (defensiva ou jocosamente) de místico-religioso. Outros bons autores trabalharam nessa seara que funde o conhecimento científico e sociológico do material e do imaterial, como Lamartine Palhano, Zalmino Zimmerman, Dora Incontri, Herculano Pires, Albert de Rochas e muitos outros. Como era de se esperar, têm sua divulgação restrita ao ambiente espírita e, mesmo nele, circunscritos à ínfima parcela que tem estômago para digerir os seus complexos enunciados. Em resumo, a minoria da minoria. Nenhuma novidade: assim tem avançado o conhecimento humano nos recentes 3.000 anos. Hermínio Miranda por muitas décadas se dedicou aos artigos, às suas coletâneas e aos próprios livros. Nos seus últimos anos no plano material, abriu o leque e passou a publicar sua releitura pessoal de outros autores e textos. Esse seu pequeno livro, "Memória Cósmica", lançado pela Editora Lachâtre em 2008, se insere entre esses últimos, trazendo à tona um registro relegado ao esquecimento - que Hermínio considerava imperativo resgatar. "The soul of things" ( "A alma das coisas") , do professor de geologia William Denton, publicado a primeira vez em 1863, trata da psicometria, essa faculdade da psique até hoje inexplorada. Embora o próprio Miranda refute a adequação do termo - que remete à uma medição de ondas mentais, o que não é apropriado -, o fenômeno em si é, em pleno século XXI, ignorado e incogitado. Os 111 casos descritos no livro (cujo autor, paradoxalmente, não crê na realidade espiritual e credita tudo à uma desconhecida origem física) relatam as impressões obtidas de um fragmento de quartzo, ao longo das convulsões geológicas de um terreno por milhões de anos, e de um retalho de bandeira que, no Salão Oval da Casa Branca, assistiu a sessões plenárias de duzentos anos atrás. Fosse esse imprevisto cenário factível, e se, nessa hipótese, tivéssemos o domínio do fenômeno, a história da civilização seria reescrita: os museus, que acumulam tantos objetos do passado, se tornariam milionárias jazidas de pré-sal, tal seria o valor do conhecimento acumulado detido. É certo, porém, que a nossa limitada humanidade não está preparada para lidar com esse volume de conteúdo - nem com a amperagem das verdades que brotariam dessa infinita fonte de dados. Leiamos o livro (os interessados), mas, por ora, nos contentemos com a face utópica dessa regressão. É o que nos resta aspirar, em sã consciência. Mas, na parte mais recôndita dos nossos pensamentos, não esqueçamos que, um dia, já zombamos dos desmiolados que defendiam que a Terra era redonda.

Editora Lachâtre, 119 páginas



Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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